quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Vazão

Se do amor, tua linguagem é cuidado
Cuida então para que não se esvaneça
O semicerrar daqueles olhinhos
Que, expressivos, sorriem rutilantes,
E riem, como se o toque da ponta da língua
Fizesse-lhes cócegas ao tocar nos dentes
Quando em meia-lua seus lábios se dobram.

"Que faço eu?", em agonia tu perguntas.
Ah, quisessem os deuses pudesse dizer-te,
Sem pestanejar, dir-te-ia: "Segue!"
E se fracassares em secar-lhe o pranto,
E não mais vires a curva ascendente da boca,
Oferece teu ombro para que sobre ele
Repouse a cabeça, sobre a qual tuas mãos passearão.

Não sê leviano. Cuida! (Tu sabes fazê-lo).
Enquanto vertem dos seus olhos sal e água,
Abraça-o no silêncio das horas mortas
Até que não mais se molhem seus ombros...
E na manhã que se anuncia, quem sabe,
Tenhas o regalo de seres testemunha,
De olhinhos apertados e língua nos dentes.

Rio, 24 de outubro de 2024 

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Olhares

Olhares

Do mundo que me precede,
Constituiu-se meu modo de ver.
Do tenebroso ao mais belo,
Apenas eu mesmo saberei,
O que se descortina perante meu olhar.

Nada valeria dar-te um espelho
Posto que nele, o sujeito que vê,
É o mesmo objeto que é visto.

Quem dera pudesse dar-te
Ainda que em momento tão breve,
Meus olhos, e somente eles!
Em verdade, dar-te-ia, se pudesse,
Por curto instante que fosse,
Para que dele te regozijasses,
Com tal intensidade, qual gozo eu,
Os sentidos pelos quais te absorvo.

Se apenas eu tenho o condão
De ser o sujeito que se apercebe
Do que me trazem meus sentidos,
De todos eles facilmente me despojaria
Para que num só instante,
Te enxergasses, te ouvisses,
Te sentisses, como te sinto eu,
E que espelho algum
Jamais te revelará.

Gustavo Carneiro de Oliveira
Rio, 17 anos e 5 meses depois, numa tarde em que Oyá se faz presente