Ontem, diversos portais voltados ao público LGBTQIA+ noticiaram a morte do influenciador Paulo Vaz, homem trans gay, policial civil, marido de outro influenciador, Pedro HMC, com quem era casado em uma relação aberta. O esposo não se manifestou publicamente acerca do ocorrido, mas rumores apontam para suicídio.
Há dois dias, teria vazado na conta do próprio Pedro HMC, um vídeo íntimo no qual estaria praticando sexo oral em um ator pornô. Imediatamente após a divulgação das imagens, que permaneceu no ar por meia hora antes de ter sido deletada, Paulo Vaz passou a ser bombardeado por comentários transfóbicos, do tipo "o marido foi chupar na rua o que não encontrou em casa", apenas para mencionar um.
Os rumores apontam que Paulo, que já havia falado publicamente sobre depressão e que, no último story postado em sua conta no Instagram havia chamado atenção para o tema saúde mental, teria se suicidado após os comentários dos seus odiadores. Prefiro usar a expressão em português em vez do seu correspondente em inglês, haters, para ficar evidenciado que o discurso dessas pessoas é ódio.
Não causa exatamente surpresa que o discurso de ódio que supostamente matou Paulo, ou Popo Vaz, como era conhecido publicamente, foi em grande parte proferido por homens gays. É, amiguinhos, assim como pessoas negras reproduzem racismo e mulheres reproduzem machismo, pessoas LGBT reproduzem homofobia, bifobia, transfobia e outras formas de discurso de ódio. E isso não surpreende. Não seria a primeira vez que parcela da "comunidade gay" estaria apagando pautas de pessoas trans, segregando em vez de agregar. Quem não conhece a história das ativistas Marsha P. Johnson e Silvia Rivera e o apagamento da luta de travestis e transexuais negras por homens gays brancos deveria conhecer.
Não gosto de generalizações e acho bastante problemático devolver ódio à chamada "comunidade gay". Pessoas gays já sofrem opressão por todos os lados, e mesmo assim tenho visto muitos gays dizendo que a "comunidade gay" matou Popo Vaz.
Como eu já disse, não surpreende que homens gays reproduzam discurso de ódio, mas é preciso fazer os devidos recortes dos marcadores sociais e apontar que quando chamamos de "comunidade gay" o grupo de sabotadores dentro da própria comunidade, estamos atirando no próprio pé, fazendo com que os olhares de quem está de fora se voltem contra todo um grupo.
Fazer os devidos recortes é necessário para que paremos que dizer que a "comunidade gay" matou Popo Vaz e possamos nos perguntar quem são os homens gays dentro da comunidade, responsáveis por replicar transfobia na internet. Com isso, então, identificando os responsáveis e responsabilizando-os, poderemos focar em estratégias de combate ao discurso de ódio.
E isso começa por analisar nosso próprio olhar dentro da comunidade. Popo Vaz tinha passabilidade cis, era branco, e estava devidamente inserido na sociedade de consumo. Tinha uma legião de admiradores e, mesmo gozando de um lugar "privilegiado" — entre aspas, porque não dá para falar exatamente em privilégio quando falamos de alguém limitado pelas fronteiras de um grupo marginalizado e inferiorizado do qual faz parte, que, no caso, é o das pessoas trans — foi alvo do ódio vomitado por pessoas cisgêneras e falocêntricas. Aqui, cabe um questionamento que por si só já vale um outro texto: estamos olhando para pessoas trans pretas e periféricas com a mesma empatia com a qual olhamos Popo Vaz? Pergunta retórica. A resposta todos sabemos.
Diversidade é para ser levada a sério. E ser aberto às diversidades não é apenas acolher o homem gay, cisgênero, branco, de corpo padrão, com poder de consumo. Não é somente lamentar a morte do homem trans branco, com passabilidade cisgênera e beleza de padrão eurocêntrico.
Acolher a diversidade é combater o falocentrismo que aparentemente motivou o suposto suicídio de Paulo Vaz, mas também, e sobretudo, lembrar que esse falocentrismo mata ainda homens trans pretos nas periferias, assim como o machismo também mata travestis e mulheres trans e o racismo também mata mulheres e homens trans negros.
Se não estivermos atentos ao nosso próprio olhar e nosso próprio discurso, talvez até possamos estar com a consciência tranquila por não sermos indiretamente responsáveis pela morte de Popo Vaz. Mas, será que poderemos nos isentar de outras mortes quando o racismo, o machismo e a homofobia que reproduzimos apagaram a transfobia que tornamos invisível com o filtro do nosso olhar seletivo?
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